Poesias Classificadas
Confira aqui as poesias classificadas no XVIII Concurso “Fritz Teixeira de Salles” de Poesia
Categoria Geral
Primeiro lugar – A íntima chama
Solidade Lima
A ÍNTIMA CHAMA Me abismo em dimensões, me labirinto como um gigante que queda no Cnossos e o esmiuçar de todos os meus ossos angustiantemente entre asmas sinto. Debatendo-me entre íntimas paredes a mais distante das memórias corro: um carrilhão de assombros sem socorro e o atlântico ancestral de minha sede. Todo o céu que senti, tudo fumaça nas amuradas soltas desses ventos! Perdeu-se em mim meu próprio pensamento e uma tarde azul me foi amor sem graça. Eu, que nunca fui bom nesse negócio de ter negócios, neste astuto lance de aproveitar da vida cada chance e negar as catarses do meu ócio. Eu, que comigo estive algumas vezes, algumas vezes me encontrei comigo: fui meu maior amante e inimigo, escravo da incerteza dos talvezes. Eu fui meu outro e me esqueci de mim à profusão das coisas e das horas... Não me estendi no mundo e, mundo afora, não comecei nem nunca tive um fim. Vesti-me com as cadências do silêncio... Tudo abracei, porém, nada mais quis que, no instante, entre tristes, ser feliz... Mas o mundo é um deserto sempre pênsil! Se agora sonho, súbito, anoiteço... Viver é mesmo um jato em desatino: eu, que ontem era um álacre menino, já não sei mais de mim, não me conheço. Feito a som e a dor, dessa mistura que se perfazem todos os encantos: ao mesmo tempo, lágrimas e cantos; ao mesmo, criador e criatura... E tantas vezes em meu peito escuto a badalada cinza da má sorte... O movimento atrasa a asa da morte enquanto queima, calmo, o meu charuto. Solidade Lima
Segundo lugar – Sertões Gerais
Luiz Walter Furtado Sousa
Sertões Gerais "O sertão vai virar praia" Antônio conselheiro Na orla, embaúbas solitárias esgarçadas pelo vento O mar com seus barcos inunda uma parte da paisagem E na exata profundidade das âncoras, minhas memórias. Luiz Walter Furtado Sousa
Terceiro lugar – “Insônia”
Ranieri Carli
Insônia Acordo aos trancos sob cinza edredom Num breu que lembra a clausura de um monge. Com sede e fome, a cozinha é tão longe... Tão longe quanto o remoto Leblon. A noite é crespa com cores de piche E eu sinto o azedo perfume de urina Que invade o cômodo vindo da esquina Enquanto desço os degraus do beliche. Ouço o barulho de um par de coturnos Que se mistura à sonora sirene De três viaturas que operam a higiene Das ruas ricas em seres noturnos. Penso na conta a vencer do pediatra Que sempre cuida de Henrique e Cecília. Penso em fazer um jantar em família Fritando uns bifes carnudos de alcatra. Pela janela, incomoda-me o neon De algum cartaz que anuncia um desconto Grande em passagens de voos a Toronto Fazendo escala em Atenas e em Bonn. O que produz esta súbita insônia? Preocupações comuns? Culpa cristã? Falta das cápsulas do alprazolam? Guerra mundial? Fluminense? Amazônia? Resta-me pouco a não ser um projeto Para esta noite atirada ao vazio: Calar-me sob o edredom alvadio E contemplar a brancura do teto. Ranieri Carli
Menção Honrosa – “Quase um poema”
André Telukazu Kondo
Quase um poema Busco no asfalto O grão do caminho, E nas vidraças dos arranha-céus O reflexo das frágeis asas que migram. Sei que não deveria estar aqui Diante da citadina torre do tempo, Enquanto as formigas carregam E sepultam meus restos de poesia no campo. Se os anjos viessem me resgatar, Eu não saberia lhes dizer De que exatamente seria salvo, Já há muito me entreguei ao cárcere do concreto. Preciso apenas segurar mais uma vez, A mão que tentou me ensinar Que na ponta do anzol da vida Não há isca maior do que o amor. Busco os dedos sem anéis de minha mãe, Nenhum brilhante, rubi ou safira, Nas mãos, só as rugas de uma bateia Que nunca encontrou ouro. “Aprenda a rabiscar palavras, menino, Pra que ninguém risque teu nome Da lista dos homens que sabem Viver sem precisar se calar.” Mas seria essa a tal felicidade? Aprendi das letras pouca coisa de valor, Sei escrever quase-poemas e nada mais, E de que isso serve para quem quase teve pão? O quase era a prece preferida de mamãe, Que quase conseguiu sorrir, Que quase teve um filho, Quase choveu. Minha mãe quase foi minha mãe, Metade da vida segurou a minha mão, Na outra metade que agora vivo sozinho Soltou-a para fazer uma prece: Que Deus quase escutou. André Telucazu Kondo
Menção Honrosa – “Restos”
Carlos Edu Bernardes
Restos hoje levantei-me bem tarde o sol já almoçava os telhados das casas aos meus pés havia a ponta da minha falsa barba eu envelhecera por dentro comi um pedaço de melancia química com essência de uva arrotei a ressaca e cumprimentei o vizinho com a janela fechada o jornal já manchara a minha porta e a televisão arrancava palmas dos meus filhos babões ainda havia restos de bebidas nos copos de uma festa do ano passado quando meus amigos perceberam que não sabiam mais sorrir vesti meu terno marrom amolei minha espingarda e fui catar no escritório pequenos peixes para o jantar Carlos Edu Bernardes
Menção Honrosa – “Castigo de Carlota Menino”
K. de Oliveira (Diego Kill)
Castigo de Carlota Menino Vocês que me olham, imaginam ratos deem me um copo de vodca das escórias, estórias, fatos ou de cachaça, pouco me importa Meu avô germinou o café em um dia de chuva de Santo Reis O pó que resta é para a fé verte o tapete enfeitado de vocês Contudo para vocês eu sou o viado, abençoado como filho de bruxa puta herança de um degredado Mas, olhem, esse é meu segredo Se minto, castiga-me, Menino Rei Abro triste as pernas por medo K. de Oliveira
Menção Honrosa – “Estrela”
Flávia Quintanilha
Estrela quando amei aquela estrela deixei o cinza no fundo da gaveta sorri colorido e foram verdes minhas mãos em seus olhos vi o universo espalhado em folhas numa muda de alfazema e meus cabelos ventavam alecrim em seus beijos desenhei a pétala o jardim cantava pimentas num lençol de algodão e os quadros se firmaram no ar de nossos poemas tentei alcançar aquela estrela nas receitas que não cozi nas rendas que acabei ao tecer fechaduras e meu corpo já não me comporta nem as folhas nem as asas quando amei aquela estrela virei pó Flávia Quintanilha
Menção Honrosa – “O teu amor”
José Pedro Quintela
[O TEU AMOR] Não te vejo. Sofro no núcleo ambíguo, indeciso, cá dentro, entre uma contração precoce e uma sustida. Disparo alucinações que escrevem versos; e o tempo castiga… dói. E escrevo. Estico-me no pó que levanto ao pensar-te, mulher, sem poder saber-te toda ou parte de um nada; ou se até, de quando em quando, te magoa a cama em que não durmo. Auguro a saliva imunda a discorrer dramas à impaciência, ouvir-te falar de ciência e a dançar sobre o estrado em que beijei o anoitecer dos meus sonhos. Dormes à beira. Guardo a hora em que me cegaste e, cego, me seguraste a mão. Sem te ver, sinto-te a pintar de negro todos os abismos da terra para que nenhum outro olhar se ria do meu. José Pedro Quintela Vinhal de Pires Silva
Menção Honrosa – “O voo acrobático das andorinhas”
Marven Junius da Costa Franklin
O VOO ACROBÁTICO DAS ANDORINHAS A solidão conduz seus mortos nas asas psicodélicas de Chrónos (segue o rastro acinzentado de buliçosos tsunamis que desabam – indelicados – em alamedas de silêncio). Quando a tarde se extingui – girassóis em desalinho – ela pousa desaforada nos arredores do cais (de tal modo que o que vislumbramos – sob enevoadas antemanhãs – são criaturas atribuladas vagando a esmo vestidas de tempestades). Ah, extensos são os tentáculos do tempo a abrigar em seu amplexo a imagem acromática dos suicidas (Ícaros urbanos que passam horas a fio a ansiar pelo voo acrobático das andorinhas). Marven Junius da Costa Franklin
Menção Honrosa – “Velha sandália”
Massilon Ferreira da Silva
VELHA SANDÁLIA Esta sandália aqui depositada, Velha, cansada, rente ao pé da cama, Nem sabe que seu dono está em coma, E fica o tempo todo assim parada. É seu dever e não lhe custa nada, Não se lamenta, chora, nem reclama, Fitando em mim semana após semana Sempre apontando a porta escancarada. E vai ficar assim dia após dia, Acompanhando em vão lenta agonia, E quando vir chegar o eterno sono Também sisuda, vai ficar parada, A repetir a história já contada Do cão que espera a volta do seu dono. Massilon Ferreira da Silva
Categoria Monte Sião
Primeiro lugar – “Cais”
André Costa Pereira Grossi
Cais Não me chamem de outro nome eu sou aquele que acorda na madrugada e sustenta o mundo com minha fé. Ergo as velas de minha nau. Nas rubras águas do amanhecer me rasga o peito vento arenoso desabotoando a camisa de casas velhas telhados ondulados quase sem goteiras. A areia da praia invade a sala e a cozinha pelas portas e janelas que nunca fechei. Na mesa uma moringa d´água para qualquer visitante que também deseje deitar-se há redes na varanda e presas em arvores retorcidas. Olho pra trás e vejo aquilo que mais amo. O meu lugar. Mas meu mar a essas horas da manhã me chama, sussurrando, e é irresistível. Preciso partir me entregar a possível morte heroica. Vou levando algumas panelas aeradas, novas e polidas para senhoras distantes em casas ilhadas onde haja por algum milagre algo pra troca, pra alguma barganha, um beijo ou um descanso. Navego o mundo como mercador não tenho custo nem despesa. Mas tem dias como hoje em que a maré está parada borbulha algum peixe rasteiro em seu lodo. Nada mais. Entendi depois de muitos anos que as vezes estamos aqui apenas para sustentar a criação e então faço o que é meu dever. Olho, deslumbro, viro espectador. Dos carros passando com seus faróis acesos refletindo a garoa nessa tarde enlouquecida. Paro para mais um café. Vendo as pessoas aos montes levando amontoados de esperança em suas sacolas. Sendo levadas. Peço mais um café. _Um maço de cigarro, por favor. Quanto deu? Mas é bobagem deixo pra lá. Chego em casa e tranco as portas no sofá a desesperança ancorou-se. O rosto molhado, olhos parados minha mulher espera o barco perdido. Entendi depois de muitos anos que as vezes estamos aqui apenas para sustentar a criação e então faço o que é meu dever. Olho, deslumbro, viro espectador. Ligo a TV. Pego um copo d´água na moringa sempre cheia. Na sacada, na minha rede. No céu avermelhado, meu barco reflete ancorado. De volta ao meu cais! André Costa Pereira Grossi
Segundo lugar – “Esquinas do meu eu”
Maria Clara Gomes de Lima
Esquinas do meu eu Nas esquinas esquecidas corro com meus lobos Dentro de mim estão vivos e uivam como nunca Sem temer o pior, mesmo sozinha nunca estou só. Maria Clara Gomes de Lima
Terceiro lugar – “Mea Culpa”
Valter Luís de Oliveira
Mea Culpa Meu copo Meu lixo. Minha pet Minha responsabilidade. Minha reciclagem Nosso mundo. Minha parte Futuro Nosso. Amém. Valter Luís de Oliveira
Menção Honrosa – “Não é tão simples”
Bárbara Chaves Canela
Não é tão simples Eu não enxugo as lágrimas só porque elas caem. Não estou triste só pelo simples fato de estar. O passado me fez forte, Mas o presente só me enfraquece, Só faz de mim isso, essa coisa louca. Eu não vejo a vida como você. Seis da manhã eu acordo E isso não faz mais sentido. Queria muito saber quando isso vai acabar, Mas não tenho forças para suportar. Uma vida monótona me deu um abraço, E está tão apertado, que parece me sufocar. Sou como a violência da chuva, E não há nada que você possa fazer, Só deixar cair. Me deixe cair. Não sei que passo dar. Vivo o agora, Ou espero para ver o que vai acontecer? Estou na beira de um precipício E todos me julgam por uma dor que não sentem. Inconsequentes, inconvenientes! Eu não estou triste só pelo simples fato de estar Mas porque a caminhada é tão longa, Que parece nunca terminar. Bárbara Chaves Canela
Menção Honrosa – “Só sou eu”
Sílvio Assis Lobato
Só sou eu Sou a soma dos fracassos e erros Que colecionei em minha história Dores, sofrimentos e lágrimas Que deixaram marcas em meu Coração, ombros e face. Sou a reunião da solidão, desamparo e abandono Que deixaram marcas em meu Coração, mente e alma. Sou a incompreensão, a não-acolhida e o não-perdão. Sou o culpado, o condenado e o renegado. Sou a resistência, a insistência e a permanência. Sou as pernas e os passos, a caminhada e a estrada. Sou a fé, a teimosia e a resiliência Sou só eu Sou só Sou eu Só eu Só sou. Sílvio Assis Lobato